Trecho Longo do Livro "Lamentos da Alvorada Renegada"






"Os dias passavam em paz. Essa paz, porém, era uma máscara frágil. O conhecimento, acumulado por centenas, talvez milhares de anos de história da família Ardyn, jazia oculto nas profundezas da torre, e o Valthor passava mais tempo em bibliotecas arcaicas do que em seu trono. Pois o povo em sua guarda era governado com justiça, e prosperava visivelmente, sem a necessidade de muita de sua atenção. Valthor Ardyn sabia demais; ele descobrira sussurros de sociedades secretas, rumores de um domo sombrio que sufocaria Auren com mentiras e trevas, e trabalhava em silêncio para reunir aliados contra essa ameaça, mas os inimigos, com suas vozes sibilantes e olhos frios, não toleravam quem os desafiasse. E naquele anoitecer de nuvens rubras, o céu tingido como sangue fresco, uma trama covarde caiu sobre Venth. 

    Havia algo no ar, uma quietude pesada que fez até os cães da vila pararem de latir. Kael foi o primeiro a sentir, parado na porta de casa, os olhos fixos no horizonte, onde as nuvens pareciam engrossar rápido demais. Um mensageiro chegou à torre, um homem alto, envolto em um manto escuro. Caminhava com passos rápidos, as botas chutando poeira. O braço esquerdo movia-se desigual, como se o incomodasse. Parou diante do portão da fortaleza, o rosto meio escondido pela sombra do capuz. Sua voz era cortante quando falou ao guarda do portão: 

    — Ei, guarda! Onde está Sendar Toreth? Preciso dele aqui, agora. É urgente, e ele vai querer saber disso. 

    O guarda, um homem jovem de barba rala, hesitou, os olhos estreitando-se para o estranho. Mensageiros oficiais não vinham sem aviso, muito menos ao cair da noite, e o emblema prateado, uma serpente circulando um olho adormecido, não era um símbolo que ele via frequentemente.

    — Vou chamá-lo — respondeu, a voz firme, mas hesitante, enviando um menino correndo pelas escadas de pedra até os aposentos do Sendar. 

    Toreth apareceu momentos depois, a armadura tilintando com cada passo firme, a espada embainhada ao lado. O cabelo grisalho estava preso num rabo curto. As rugas em seu rosto endurecido pareciam mais fundas sob a luz fraca do entardecer. Ele parou diante do mensageiro, a testa franzida.

    — O que o traz aqui, senhor? Não temos notícia de visitas oficiais há muitos sóis. Qual a urgência? 

    O homem deu um sorriso fino, encarando Toreth com olhos maliciosos, e entregando uma carta selada com cera negra. 

    — Apenas isso, Sendar. Meu trabalho está feito.


    Ele virou-se, o manto girando como uma sombra, e desapareceu na penumbra da trilha antes que Toreth pudesse perguntar mais. Ao quebrar o selo, Toreth leu em silêncio, os olhos arregalando-se por um instante. A carta tremia em suas mãos grandes, e ele amassou o papel com um grunhido baixo. 

    — Guarda! — chamou, a voz cortante — Três homens à torre, agora. O Valthor e a Senhora estão recolhidos, protejamnos. Não devo demorar. 

    Ele correu ao estábulo, os passos largos ecoando na terra, e montou seu cavalo, um garanhão castanho de crina longa, com a graça de quem nascera para a sela. Mas antes que pudesse galopar, um ruído estridente cortou o ar, seguido de um baque pesado que fez o cavalo relinchar. Toreth desmontou. A armadura rangia, limitando seu movimento. Voltou ao portão, o guarda jazia no chão, um fio de sangue escorrendo da garganta, pingando na ponte levadiça que guarnecia a entrada da fortaleza. O menino de antes estava caído ao lado, os olhos abertos em choque, parecia paralisado. Toreth entendeu num instante: uma distração. Com um rugido que ecoou pelas colinas, ele acionou o sino de alarme, a mão já na espada, mas o som voltou vazio; ninguém respondeu. O Sendar correu pela ponte, as botas martelando a madeira, e entrou no salão da torre, o coração disparado como um tambor de guerra". 

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*Imagens cedidas pelo Autor

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